25 de março sala de dança UFRJ

A impressão que eu tive foi de chegar em um lugar totalmente vendada, cega por vontade própria. Desejo de descobrir o que poderia haver por detrás do olho que tudo vê. Chegamos sem propostas, nem ideias pré-concebidas. Abafamos a angústia de resolver praticamente o desconforto. 
Tacitamente nos preparamos para encontrar o não saber, e para nos abrirmos para o ENCONTRO.
Silêncio- suportar a falta de certeza e garantias. suportar a possibilidade de fracasso da nossa experiência de dar corpo às nossas questões. Possibilidade da sabotagem. Incômodo do silêncio.
Em silêncio e individualmente nos colocamos. Parece que os procedimentos de aquecimento do corpo tão conhecidos na dança não faziam muito sentido. No entanto, respirar...

Toca, massageia, alonga, faz um círculo, abre olho, fecha olho, respira.

Ir pequeno descobrindo o que não se sabe, dar tempo, de-morar sem perder o instinto que vem da escuta.

Ficamos à deriva e o jogo se apresentou-
De repente um mundo novo de miudezas presentes no espaço da sala começa a aparecer para os nossos olhos que vibram.
Um bicho de penugens duradas e pretas, um pequeno cristal sujo, um ovo/semente/pente... e toda uma fauna invisível pra quem não tem olhos de ver...

Adotar um trato ínfimo do corpo, ser micro no respirar, ir pela ponta do dedo e mudar as texturas do olhar, lente para miudeza, pele para miudeza. Difícil esse negócio de tratar com pequeneza, de diminuir, de adequar. Qualquer mínimo gesto pode gerar vendaval, terremoto. Entramos em relação. Uma metamorfose no corpo precisou acontecer para termos um encontro, um micro encontro.

O encontro criou vida e fomos desenrolando essa experiência com ideias que vieram surgindo do processo de fazer.

-INVENTÁRIO DE PEQUENAS NARRATIVAS

-ARQUEOLOGIA DE UM PASSADO PRESENTE

-PEQUENA COLEÇÃO DE MIUDEZAS

-FÓSSEIS DO COTIDIANO

Como transformar os objetos mortos e invisíveis do nosso cotidiano em obra?
Como dar a ver aquilo que escapa aos olhos anestesiados?
A ordem das coisas modificam o seu sentido. De uma maneira é lixo, de outra é um museu.
A maneira de organizar produz sentido.

Questões:
Como a procura minuciosa e o olhar micro direcionados produzem uma atenção e estado do corpo específico! 
Os corpos mortos e a passagem do tempo
Como os insetos e a sua materialidade determinam indicam a questão da duração do ser no tempo!
Há anos todas nós convivemos naquele espaço, mas nunca tínhamos observado essa dimensão mínima, micro. O Olhar para as micro-narrativas abre uma nossa presença no espaço.

Lembramos de uma intervenção urbana ervas_sp. 

Lembramos de Manoel de Barros. A palavra não saia do pensamento, a poesia vibrava borrada:

Miudezas

Percorro todas as tardes um quarteirão de paredes 
nuas.
Nuas e sujas de idade e ventos.
Vejo muitos rascunhos de pernas de grilos pregados
nas pedras.
As pedras, entretanto, são mais favoráveis a pernas
de moscas do que de grilos.
Pequenos caracóis deixaram suas casas pregadas 
nestas pedras.
E as suas lesmas saíram por aí à procura de outras 
paredes.
Asas misgalhadinhas de borboletas tingem de azul 
estas pedras.
Uma espécie de gosto por tais miudezas me paralisa.
Caminho todas as tardes por estes quarteirões
desertos, é certo.
Mas nunca tenho certeza
Se estou percorrendo o quarteirão deserto
Ou algum deserto em mim.




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