m.o.l.h.a.d.a.s.

Dia 21/10/2015, quarta-feira:

- A PL 5069/2013 foi aprovada pela Comissão de Constituição e de Justiça da Câmara dos Deputados.

- A PL 5069/2013 é de autoria do deputado Eduardo Cunha – atual presidente da Câmara dos Deputados – e estabelece medidas punitivas para pessoas que induzam, prestem qualquer auxílio ou orientem gestantes a respeito do processo de aborto.

A aprovação pela CCJ da PL5069/2013 gerou um levante:

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Dia 26/10/2015, segunda-feira:


I.


Eu, Lidia e Bruna conversamos
sobre as necessidades e vontades com o blog do grupo
a questão da escrita como construção de um corpo; como ativar o material do blog?   
sobre as experiências nas aulas de doutorado da Lidia
afinal, o que é roupa de dança?
sobre as assinaturas das cartografias
... é que cada assinatura é uma paisagem
.
Vamos acendendo as experiências-arquivo: compartilhando umas com as outras o que vivemos nos últimos dias; tecendo bordados que misturam os lugares por onde passamos durante a semana com as motivações que tem feito o Núcleo derivar. Falando, movemos engrenagens que repetem o que nos aconteceu já diferenciando o acontecido dele mesmo. A conversa atualiza o que passou trançando outra camada de acontecimento, inventando uma nova ordem para os pulsos de pensamento, redesenhando as linhas de força do movimento cartográfico das ideias por uma dinâmica de apagamentos, realces e associações.

Vamos liquidificando as aulas de doutorado da Lidia com a minha participação no Simpósio de Filosofia e Poética na UFJF com o blog que tem problemas de programação com as roupas de dança que suscitam escritas que são assinaturas concretas e confusas do processo de construção de corpo de cada uma com o que se come com o que se leu nos últimos dias com a prova do ENEM e Simone de Beauvoir que é de repente viva e


falando sobre o que aconteceu descobrimos os próximos passos.



Conversando, começamos lentamente a nos misturar ativando, sutileza por sutileza, o corpo-do-grupo.




Thainá vai chegar atrasada. Ruth não vem, 




n’alguma hora Thais chega.   
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[somos quatro mulheres em uma mesa longa, mais uma mulher atrasada e outra que não pôde estar. um total de seis mulheres]
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Vamos des-portar rumo à expedição cartográfica:



II.
Cortamos o Largo da Prainha e subimos por aquela rua em que o artista pinta a parede à esquerda. Não seguimos reto: meia volta à direita e alguns degraus depois estamos em frente à Igreja de ?
Acho que Lidia foi a primeira a entrar . . . ou foi Bruna? . . . confundo as duas,
Demoro um pouco lendo o que está inscrito no alto da porta de entrada da Igreja, datas longínquas – imagine! mil-seicentos-e-anos-atrás!
Entramos todas. Sentamos. Logo Lidia se estica em interrogações a uma senhora que aparece local da Igreja: Dona Fátima.
[somos um total de sete mulheres: quatro levantadas de uma mesa comprida, uma atrasada, uma que não pôde estar e uma católica franciscana]




Escutamos Dona Fátima. Nos misturamos.




Thainá chega.




Dona Fátima diz que só tem irmãs marias, diz que o pecado é o pecado e o que muda são os homens, diz que os leigos ensinam aos catedráticos, diz que nunca foi lá em cima do morro no altar que tem S. Jorge, N.S. Aparecida e Fátima. A gente convida ela; ela diz que não pode sair da Igreja.
Só porque olhamos o relógio achamos hora para decolar.
Rebolo dentro da Igreja. Olho para Bruna. Pensamos que ali não é lugar de rebolar.


III.
(...) saímos em frente à uma janela-lanchonete: tem bolo, empada, salgado de forno.
A gente tá com fome. Bruna, Lidia e Thaís compram empadas.  Todas nós comemos.
A menina que vive saracuteando entre a boca de fumo e o asfalto aparece ao lado da Thais:
- oi, molhada!
- oi Sthephanie...
(eu digo junto): oi guria...

[somos um total de oito mulheres: cinco comendo empada, uma que não pôde estar, uma católica franciscana e uma de aparição repentina]

Os olhos de Stephanie são nuvens, ela não vai conseguir ancorar com a gente.
Estamos um tanto pousadeiras hoje . . .



IV.
- Pra onde olha essa estátua de N.S. da Conceição?


- As flores são de plástico . . .


- Aqui é negócio dos militares?


- Vocês têm vontade de entrar aí?
- Sim! Essas fortalezas são lugares de vista privilegiada!
- Ah, eu posso ver com o meu pai . . .
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Uma porta realmente grande e entreaberta.
Lógico: entramos.
Soltamos por ali algumas penas coloridas até que


chega uma voz trêmula que nos diz que não podemos estar ali, área de segurança militar, não pode entrar.
Encadeamos uma série de perguntas à mulher que nos interditou timidamente ao mesmo tempo em que arrastamos nossa âncora até a porta, cruzando-a de volta à rua.
Patrícia é militar e diz que o efetivo de trabalho não dá conta das demandas do serviço por ali. Diz que podemos sim marcar visita, mas precisa ser com antecedência pra que eles possam se organizar e mandar alguém entendido de cartografias para nos acompanhar: “não é qualquer um que entende de cartografias”. . .
Agora cê vê: esse negócio dos militares é centro de estudos geográficos – não com esse nome, mas com essa função.



[somos um total de nove mulheres: cinco pousadeiras, uma que não pôde estar, uma católica franciscana, uma de aparição repentina e uma de voz emburacada]


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Dia 29/10/2015, quinta-feira
Entremeando esse nosso vôo pousante ressoava a notícia de que a PL5069/2013 estava correndo para ser aprovada no senado. Nós falamos sobre o que ela traz no seu bucho: ao punir modos de indução e orientação à prática do aborto, a PL criminaliza a própria discussão acerca do tema. Ao exigir que as mulheres que engravidarem de um estupro registrem um boletim de ocorrência e façam exame de corpo delito, o dispositivo judiciário desconfia do depoimento da mulher violentada indossando um discurso que associa a mulher ao que é oculto, enganoso, passível de dúvida e de investigação.
O texto da PL5069/2013 e os agenciamentos judiciários que ele propõe se constroem sob um estrato fálico : compreendem o ser mulher a partir de UM olhar masculino que é soberano : agridem pela arrogância e nos fazem vasculhar isso que é ser mulher




: a cada vez que digo “mulher” afirmo uma paisagem :




mas afinal, que diabos é isso que defendemos sobre ser mulher a cada momento em que nos idenficamos como tal? Porque que as palavras corte – culpa – resignação persistem em sobrevoar o feminino? Será que o que defendemos sobre ser mulher defende a mulher que somos?



Já reparou como é molhada a palavra mulher?
M U - L H E R
exagera só na pronúncia da segunda sílaba pra tu ver se não se afirma uma coisa forfolhuda:
MU-L H É R.R.r.r.
A pronúncia enraíza e derrama. Tem uma coloração erótica.
(Stephanie sabe disso . . .)





aí aqui um pepino: a relação que nós, mulheres e homens ocidentais construímos  no mundo caminha, historicamente, para tornar regra a marginalização da experiência erótica.


ó só:
Diretamente vinculado ao erotismo está o corpo, pois o erotismo é mesmo o erotismo dos corpos: humanos, minerais, celestes, unicelulares...  Só que repetimos diariamente uma experiência de pensamento dualista que se afina com o movimento do pensamento cristão e que cindi bruscamente as coisas em binômios do tipo: razão - emoção, mundo sensível - mundo inteligível, céu - inferno, bem - mal, etc, etc, etc.
Nesta lógica bipartida de pensamento, ao corpo erótico se opõe a alma transcendente.



tchã-rã ã ã



Pronto: eis que toda uma paleta de cores obscuras inunda o corpo e a ação erótica, criando modos de olhar e de ser corpo que passam pela compreensão do erotismo como algo a ser velado, desvendado em segredo. A sobrevivência deste pensamento é uma luta secular na qual o principal golpe é perverter a experiência erótica em obscenidade, associando-a a ideia de pecado. Mesmo que dissimuladamente, persiste pela repetição histórica a ideia de que o agir do corpo erótico aponta para a direção contrária à iluminação da alma.

má peloamô-ôr!


ó só [2]:
A palavra erotismo guarda o vocábulo eros. Na cosmogonia grega, eros dá nome a uma das forças geradas do caos - intensidade primordial ao surgimento de todas as coisas. Pois bem, do caos nascem gaya (a força da terra), tártaro (a força infernal), nix (a força da noite), érebo (a escuridão ou vazio) e eros (a força do amor).
eros enquanto força do amor move-se pela unidade, pela continuidade entre os seres. É a força que borra os limites que garantem a existência individual das coisas, realizando misturas

Pulsando na fertilidade dos encontros eros se realiza, engendrando sempre novos agenciamentos que inventam novos movimentos de mundo

[p a u s a]


Personificando isto temos que Eros - assim, com letra maiúscula - é o deus do amor. Descrito na Teogonia de Hesíodo como um deus extremamente belo e irresistível, Eros chega aos tempos romanos sob a alcunha de Cupido - a criança estonteante que distribui flechas apaixonadas sem muito dircenimento, causando grandes confusões por onde passa.
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[e é verdade que enquanto leio e escrevo sobre isto tenho marés de tontura]
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o encontro erótico des-limita, viola, confunde . . . . . desafia nossa individualidade ao nos pôrjunto às coisas
nos dilui, apaga, esburaca e reelabora
sem essa progressão didática
sem libreto
não é indolor
não é um quarto branco com ar-condicionado
não é um sorriso colgate
É uma saudade: alegria espinhosa  
Experiência que recria a ordem cotidiana de lidar com o tempo e o espaço, inventa temporalidades e espacialidades, questiona o movimento racional do pensamento, gera crises. Ameaça os valores patriarcais da sociedade, a lógica de produção de capital, a valorização das individualidades que fortalece os movimentos de consumo.
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A experiência erótica é uma gota de ácido erosivo, uma bomba, um corte suave de folha de ofício na carne do dedo,

u m a m u l h e r




A aprovação pela CCJ da PL5069/2013 gerou um levante: 

somos um total de muitas mulheres
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laura



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