Paredes, ar e trajetos

Talvez eu esteja sentindo vontade de falar do pré, do que acontece anteriormente ao encontro, do que acontece comigo antes do estar com fisicamente, antes da troca de olhares, de palavras, do caminhar do lado, do dividir a empada e os docinhos, de ser elemento da foto e fazer do outro elemento, do que se constrói antes do abraço de chegada e o abraço de tchau. O que cabe entre, o que vem antes e o que reverbera depois. 

16/11 - O despertador desperta repetidas vezes e me custa conceber a ideia de que eu preciso acordar. A manhã tava bem cinza e o desejo de encontrar era grande, mas eu pensava com desânimo na trajetória até chegar. "Pra chegar tem que enfrentar o caminho", foi algo assim que ela me disse quando reclamei mais tarde do espaço que tinha de percorrer em caminhada, fora o tempo de espera do ônibus e o tempo dentro dele chegar até a Central. Pensei em trajetória do momento em que acordei até o restante do dia e continuo pensando. 
Chego atrasada, mas chego, meio esbaforida, reparando bem as presenças antigas e novas. Reparando bem no que tinha de novo em cada uma. A conversa segue a trajetória do grupo, cada uma trilhando seu caminho dentro do diálogo e em meio ao que era verbalizado ou não, a gente se encontrava e fazia uma trajetória em comum. Por vezes eu sentia que a gente fazia o mesmo caminho mas caminhando distante, sabe? Ainda assim, a gente se vê. As vezes as conversas se bifurcavam, o grupo era dividido e metade caminhava pra um lado e a outra metade pro outro, lá na frente todo mundo se encontrava num ponto, sem combinar. Pensando nisso tudo lembrei do exercício de trajetória que fizemos no Fórum, na oficina do FestFic.

Sobre o exercício: a gente estabelecia uma trajetória nossa no espaço, demarcando um inicio e um fim. Fazíamos a trajetória percebendo as pessoas que cruzavam com a gente  no caminho, mas sem mudar nada desse trajeto. Depois, em dupla, a gente tentava fazer o nosso trajeto e acompanhar o parceiro de dupla no trajeto dele. Fazer o meu trajeto e me adaptar ao trajeto do outro. 

E no falatório da primeira parte do nosso encontro, eu as vezes corria pra caminhar junto, as vezes caminhava distante mas vendo todo mundo, as vezes parava de caminhar, as vezes ajudava a estabelecer um pulso de caminhada, as vezes nem o escutava. Falamos do lugar do autor, de animalidade, do cemitério dos cachorros, de danças sujas, do outro como destino, do dia da jic e mais assuntos que até tenho para separar por vírgula, pra provar que minha memória registrou como manda o protocolo, mas tenho pensado sobre memória, sobre eu ter dificuldade com o protocolo criado pra ela e sobre como isso afeta os meus encontros. 
Fomos para a caminhada. Passamos pela subida da escola, vimos docinhos, subimos mais e compramos empada. Docinhos e empada - agridoce. Teve guaravita, um copinho no chão e um copinho que a Laura comprou. Subimos mais e eu fotografava as paredes, elas tinham registros. Desde cedo a gente cartografa em parede, as conquistas, as perdas, tudo. Eu gosto de parede. Catei um pedaço de um plástico vermelho antes de catar mais coisas no caminho do platô. 

Era chão, céu, parede e as meninas. 

Eu não sei dizer bem o motivo, mas aquelas ruelas do morro me fazem bem, eu me sinto tão em casa... Morei anos em um beco, na Travessa Condor. Duas paredes perto e eu que já gosto de parede me sinto protegida por elas, não sufocada. Parece que dali do meio eu faço mais parte ainda do todo. Conforta, dá sombra, protege. Até chegar no platô era essa a sensação, chegando lá eu vi um vão se abrir e me senti exposta. Tudo muito aberto no meio daquele labirinto de ruelas, tinha até gente parando pra olhar a gente ali! Me encolhi. Peguei duas pedrinhas e comecei a rabiscar ar na  parte debaixo do platô. 

Era mais chão, mais céu, paredes longe e as meninas. 
Mais abertura, menos ar. 
 [Thaina]


Meu trajeto é cheio de paredes e eu escrevo nelas.




















Comentários

Postagens mais visitadas