Rio, 14 de março de 2016.
Olho para Thaís que está numa
sintonia distinta, num outro tipo de vigor. Ela despedaça um pedaço de barro no
prato d’àgua e depois risca com o que sobrou do barro a pedra. O risco do barro
abria sulcos no chão da pedra como se rasgasse-riscasse a terra, a pedra de sal.
Hoje escorregamos aguadas pelo espaço
da pedra do sal. Deixamos nosso rastro-água na pedra que nos devolveu seu corpo
de presença cheio de memórias. Quando chego em casa mostro para meu filho as
fotos que Lídia fez de hoje e Pedro diz “a Pedra do Sal! Se chama assim porque
antigamente o mar chegava até lá e deixava marca de sal na pedra.” Hoje a Pedra do Sal
virou lugar para brincar, pausar, escorregar e para alguns corpos de mulheres
desaguarem.
A ida cheira acolhimento.
Comprar coisas para adoçar e
alimentar o dia. Partilhas.
Entro no metrô. Caras tristes e
cansadas numa manhã de segunda. Respiro aliviada, me sentindo navegar no
contra-fluxo desses rostos cansados, dessa vastidão triste. Compadeço-me. Sinto-com e me afasto para não sufocar.
Saio do metrô. Meu corpo se soma
à multidão e mais uma vez me distancio para encontrar um ritmo próprio. Como a
multidão é contágio!
No caminho as flores da esquina
estão de um colorido rasgado e brilhante. Da caixa de som de um lugar próximo
grita a voz de Elis que diz que “apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos
(...) continuamos vivendo como nossos pais”. Depois do domingo do dia 13 de
março assombrado pelo gigante adormecido e violento concordo com as palavras de
Elis. Lágrimas e força para re-existir.
Mais uns passos e o cheiro bom de
defumador.
Atravesso a rua e a paisagem do morro puxa, convida.
Chego à casa Porto
e encontro Francisco. O grupo vai chegando e somos só mulheres e o tema de
estar no mundo tendo um corpo de mulher grita na relação com os amores, com os
pares, com o trabalho, com a cidade, com a vida. Esse é o tema. É o coletivo. Feminino+coletivo+cidade=sonho.
Lídia anuncia que tenho para hoje
um convite: ver o espelho d’àgua e tocar a pele d’àgua através de uma
experimentação com um prato cheio de água.
Caminhamos pelo morro. Sinto-me
farejando o espaço. Hoje me veio uma sensação de atravessar uma película fina e
espessa quando, conversando com Bruna, atravessamos a rua da escola, subindo o
morro. Hoje os meninos não estavam na esquina. No adro das mulheres da janela o
sol ardia e nos damos conta que o sol não chegava lá antes por conta do horário
de verão que acabou semana passada. O espaço que o morro nos ofereceria não era
esse hoje. Ele não acolhia, não nos recebeu para estar-com e pausar como tantas
outras vezes.
Andamos, subimos e chegamos na Pedra
do Sal. Lá o espaço chamou. Comecei a colocar os pratos no chão da pedra e as
outras se juntaram ao meu gesto. Um prato em cada degrau. Enchemos com água. O
declínio do chão deixava os pratos estáveis e a água escorria.
Dispomos-nos no espaço, cada uma
com seu objeto, no seu mergulho para fora do espaço. O prato refletia minha
sombra, as cores das casas do morro, o vôo dos pássaros e a dança das nuvens no
céu. O cadinho de água no prato virou lago, rio, mar por onde meu corpo
viajava. A água lavou toda a pele de mim, me inundou de suavidade.
Meu corpo segue seu traço na
pedra e o rastro de água que escorre pedra abaixo. Descemos, escorremos pela
pedra de sal, juntas, sugadas, rastejantes, nos misturando a pedra, a água, ao
sal, ao barro. As crianças (só meninos)
se contagiam e começam a escorregar na pedra com uma alegria transbordante.
Também escorregamos a pedra feito escorrega-brinquedo-de-criança. As mães dizem
que precisam ir e os meninos pedem para escorregar uma última vez. Eles nos dão
espaço para brincar e depois se juntam no espaço da pedra para escorregar
todos juntos uma última vez.


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