O carnaval se acena no assobio quente que corre o asfalto, nos abraços molhados daquelas que estão em travessia. A pedra salga os amantes do samba e agita toda a região tombada pela
gentrificação. A Liga cresce, empreendimentos desaguam na Prainha, os meninos de mochila
se agitam e os jornais clamam a boêmia da Pequena África. É hora do mangueio!
Em altitude, a folia começa sem holofotes, anunciando o janeiro das santinhas que ocupam a praça, ateliê aberto há alguns instantes.“Não
precisa arrumar nada. Venha só se divertir!” Quando às três, as cores do santo guerreiro brincam de esconder as pedras portuguesas passo-a-passo. É o terceiro enredo do bloco e a concentração paira a nostalgia. “Aqui só toca marchinha!” "Tem santa,
homem-santa, tudo santinha", sátiros tímidos de confete, serpentina e até purpurina. Uma porta aberta e três crianças voam escada acima; a historiadora que carrega pilhas de caixas aprende rápido com a nova vizinhança: porta aberta é sempre - ou quase sempre - um convite. Devagar, somos quase cinquenta. Quase todos
se conhecem e bem poucos vão se conhecer ainda esta tarde. A charanga toca e
descansa. Canta e silencia; acolhe declaração, brincadeira de sabiás, a receita de sacolé da Bel, um doutorado astrofisicamente concluído entre o Valongo e Frankfurt. As crianças estão livres e se criam a
levantar poeira no parquinho. Alguns vizinhos farão questão de não vir. Às cinco, o
cortejo parte em direção ao observatório. Santinhas à frente e devotos atrás. São menos de cem metros até volta-e-meia. No intermezzo para a Jogo da Bola, o cortejo parece enfeitiçado por uma porta-grade. Lá dentro, gestos miúdos se encantam em
palmas. Vagarosos, os dedinhos aglutinados pela idade seguram o estandarte coroando-
o com um terno beijo. Molha o tempo, estamos imersos no sorriso daquela
mulher que dança. Depois, a Parada Leo --- Parada Geraldinho ---e mais uma meia
volta... Acode! O bloco avança em direção à guardiã do quartel. Em cima da
muralha, soldados bamboleiam ao som de “paz e amor/ guerra, não senhor”; brincam com os que, de farda, sorriem de lado com quadris engessados. A charanga pousa e alguns se despedem. Outros sentam na praça, contemplam a Sacadura Cabral e os transatlânticos. Sem declarar início nem fim, o bloco se dispersa enquanto,
embaixo da amendoeira, vão se agrupando mais de 30 mãos, todas chorosas, ora na
flauta, ora no violão de sete cordas, ora no pandeiro. Outra música começa e o corpo vibra com mais um presente da Conceição...
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