O gozo da deriva



Caminhar, apenas caminhar se deixando convidar pelo próprio caminho.
A proposta me apetece e vejo brilharem os olhos das outras também, enquanto nos concentramos na Praça, para em seguida nos dissiparmos em deriva pelas redondezas.
(A simplicidade me espanta, me intriga, me atrai.)
Então os pés começam a traçar rota, o corpo acompanha, logo me vejo debaixo do viaduto, e experimento a sensação de estar onde nunca estou.
O exercício é de silenciar a mente e acalmar o andar apressado. De se forçar para dentro dum outro tempo.
O ritmo da deriva precisa se impor sobre o ritmo da cidade. Parece-me urgente resistir, puxar as rédeas e desacelerar toda a gente.
Vou dilatando os poros...   Esgarçando a pele para aumentar a superfície de contato com o mundo...   Sentidos aguçados, avanço me esfregando através do tempo-espaço, mastigando os pequenos detalhes que me atravessam.
Olhos meus pelo corpo todo....    Olhos dos outros voltados para mim. Pois parece que a deriva, para além de ser resistência, é subversão.
Em cada canto tem vida, tem coisas grandes e coisas pequenas acontecendo agora.
Minha curiosidade, mais viva e pulsante do que nunca, não quer ser satisfeita. Quer ficar ali só existindo mesmo.
A imaginação dança pelos caminhos aonde meus pés me levam! Derivar é permitir abrir a caixinha de memórias. E também deixar voarem livres as fantasias. É dar olhos a sutilezas e enxergar a poesia que sempre esteve ali. É deixar-se surpreender, sorrir com o corpo todo de puro encantamento. De puro gozo.
O relógio me diz que já é hora então me ponho a caminhar rumo ao encontro. Aperto o passo de leve, sem fechar os olhos dos pés. Sigo degustando o caminho, lambendo tudo o que vejo e ouço.
A Praça nos recebe de volta.
Me admira o tanto que aconteceu, ao mesmo tempo em que nada começou e nada terminou.




 por Tamara Rothstein 
17 de julho

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