As células em praças, ruas e varais


As células são convidadas à uma dança, se atritam, se apertam, se atravessam, criam entre elas um rodopio, um frisson e isso me faz perceber que talvez novas sinapses estejam nascendo nesse instante da vibração das células.

Esse varal da gentileza na Rua Cosme Velho me causou essa vibração desde a primeira vez que o percebi. Internamente disse: “Yes, um espaço vivo de relação social dentro do cotidiano”. E ali, de frente pro varal, me testemunhava sorrindo enquanto as pessoas enchiam e esvaziavam o varal num ritmo que era impossível de ser controlado. Um ritmo instaurado, um ritmo que acontecia e toda vez que eu me demorava por uns instantes do meu dia de frente pro varal, esse ritmo do varal me sacudia as células.



Lancei o convite pro Núcleo e deliciosamente topamos nos demorar em coletivo nesse varal, praticando o não-saber diante daquelas roupas que entravam e saiam dos ganchos: de repente nossos braços e pernas e cabeças e imaginários foram se enturmando com aqueles tecidos.

Num outro dia, estávamos a andarilhar à deriva ali nos entornos do bairro das Laranjeiras, percorrendo ruas tão conhecidas pelo afeto, e ressoando lugares incomuns dessas mesmas ruas. Uma rua em particular, debaixo de um viaduto, me encheu de novos tremores: havia uma memória celular em meu corpo com essa rua que me trazia uma percepção de medo. De repente, quando estava a
praticar deixar meus pés caminharem sem propósito pré definido, me surpreendi com adentrar essa rua e sentir que nela poderia vivenciar o não-medo e a descoberta de outras sensações.


Esse encontro com o Núcleo tem sido um terreno saboroso para manusear a elasticidade das práticas de corpo pela cidade. E depois da experiência no c.e.m., em Lisboa, fiquei a manter a pergunta viva de como exercitar essa continuidade nessa minha cidade natal, esse meu Rio de Janeiro. Lá em Lisboa, numa conversa com Sofia, já me questionava se seria possível praticarmos rotas e nos demorarmos numa cidade como Rio de Janeiro, que exige uma atenção diferenciada em relação à segurança social no espaço público. Sofia já me dizia: “teria que estar lá a escutar...”. Agora sinto que estou com o Núcleo começando a me demorar nessa cidade, a escutar suas perguntas.

Durante o Pedras 17, o convite intergaláctico pra os corpos que escrevem sobre o chão, lançado pela Guida, foi uma festa. Esse foi o momento que avistamos esse encontro amoroso que estou tendo com o Núcleo: recebi um abraço de Lídia, Raquel, Thaís, Laura, Tamara, Bruna... e logo nos apaixonamos.



A Praça Duque Costa, em Laranjeiras, nos recebeu em seus concretos, e lá as células vibraram com a escrita lado a lado. O giz se desfazia em meus dedos enquanto encontrava a escrita da palavra AFETO em tantos cantos de asfalto da praça, esticávamos rolos de papéis, e os corpos deitavam , demoravam, respiravam, desenhavam, encontravam algumas palavras, e por vezes nos divertíamos nas gangorras e balanços.

As perguntas estão a desdobrar, a vontade de fanzinar já está a saltos e agora estamos aprumando os pés para uma prática de corpo e escrita na Aldeia Maracanã. Algum infinito se abriu nesse meu encontro com o Núcleo.


(aline Bernardi)

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