Ceder para conseguir seguir?

Ceder para conseguir seguir?                     
Cartografias Corporais. Festic, 2017.

De chegada percebo que nossas diferenças não são de pensamentos, mas de mundos, cada qual arrastando o seu para gastar energia num mesmo espaço no esforço para encontrar-se consigo mesmo e com o outro. Em seguida, acabar encontrando-se mais no outro do que em si mesmo.

Essa coisa de chegar percebendo aonde se chegou, de silenciar pra se ouvir, de viver-escrever, de assimilar, de encontrar, como se fôssemos portadores da capacidade de neutralizar um espaço-tempo, não é uma coisa de incorporação, é o próprio corpo da experiência na criação de dissensos, na experiência de um olhar distanciado, alongado e grudado ao corpo – um olhar da pele – ou melhor, olhar tecido de peles...

Camadas de atenção às relações!

Criar condições - exercício de percepção das condições - a fim de reconfigurar a paisagem do que nos é perceptível e modificar o território do possível, onde o desejo assim como pode nos mover, também pode paralisar. Esse exercício, ao contrário do que a materialidade da palavra nos remete, reduz ao mínimo as encarnações de intencionalidades, é exercício de chegar onde, de certa forma, já se está.

Mapear os próprios territórios através de palavras que vem do outro se torna movimento de transgressão de fronteiras, de esgaçar as próprias peles, deslizar pra fora do privado do corpo e acolher no corpo o espaço.

Os estados de atenção que se estabelecem entre mim e os outros são mediados pelo espaço, que paradoxalmente nos aproxima e distancia, conforme construo zonas de afeto e intimidade com pontos da sala. Nas trajetórias experimento entre um ponto e outro, outro e um, aos poucos, novas formas de relacionar e perceber o todo, de estar-com.



De repente, o outro vem fender a experiência expandida de mim.






Transformar o espaço para acolher o outro me força a confrontar com uma nova realidade e encontrar outros caminhos para as mesmas coisas. Colocar-se lado-a-lado com a experiência do outro é também entender que o lugar é comum, não único. Não é sobre resistir ou sujeitar-se, mesmo que, às vezes, seja preciso ceder para conseguir seguir.



Depois, seguir arrastando esses lugares comuns para o espaço externo, para além da privacidade das paredes que nos cercam, para além da intimidade que estabelecemos. 

Seguir e sustentar no tempo interno as imagens e os objetos que apontam para seus sujeitos, não como ações congeladas, mas como geleiras que se derretem e se encontram na presença do partilhar das derivas e das cartografias corporais.



Bruna Belem






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